terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Aquele sobre a perfeição imperfeita

     Alguma coisa estava muito estranha, eu estava estudando de novo naquele lugar. Não que isso fosse ruim, ao contrário, aquilo tudo me fazia muita falta, mas mesmo assim não fazia sentido. Até onde eu sabia, aquele colégio não tinha ensino médio. Pelo jeito as coisas haviam mudado desde que eu me fora. Depois de muita relutância entrei por aqueles corredores. Acreditava que as coisas estavam diferentes, que as pessoas não seriam mais as mesmas e que estaria sozinha novamente. Estava enganada, as pessoas eram as mesmas e, portanto, tinha os meus velhos amigos comigo. A primeira coisa que eu fiz foi, sem querer, bater na porta errada e dar de cara com ele, depois de tanto tempo. O que ele estava fazendo ali? Não queria voltar a sentir tudo aquilo, aquilo que por algum tempo me machucou, que me fez chorar e acabou comigo. Mas não podia fazer nada, ele realmente estava ali, parado na minha frente com aquele sorriso faceiro no rosto. Talvez seja daí que meu pavor pelo nome "Matheus" tenha começado, ele tinha causado isso. Eu queria que ele interferisse menos na minha vida, mas parecia não ser possível. Volta e meia o Matheus surgia de novo e pronto, o feitiço voltava. Mas voltando àquele momento onde estávamos frente a frente, me segurei para não fazer algo que pudesse me arrepender depois. Seus olhos me transmitiam alguma coisa que nunca haviam transmitido antes, era algum tipo de afeto, não um simples afeto, tinha algo mais ali. O tempo que tive para raciocinar foi pouco, e então as pessoas começaram a me atacar. Parece que eu tinha ido embora por muito tempo e voltado, não conseguia me lembrar o que acontecera nesse meio tempo. Onde eu estava? Por que eles estavam felizes em me ver? As coisas faziam menos sentido a cada segundo e eu perdia cada vez mais o controle. 
     Decidi que era hora de procurar a minha classe, o colégio era pequeno, não seria difícil encontrar o meu caminho. Segui pelo corredor, senti uma mão puxando o meu braço e me parando no meio do caminho. Respirei fundo e virei lentamente, era ele novamente. Seus olhos continuavam urgentes e não paravam em um ponto fixo, percorriam meu rosto numa angústia muda. Quem costumava ser assim era eu, cada vez mais eu queria desesperadamente descobrir o que tinha acontecido, o que estava acontecendo. Por que as coisas estavam tão diferentes assim? Matheus continuava a me encarar sem nada dizer, eu não me movia, não tinha vontade. A inspetora de corredor (antes de eu ir embora, essa função não existia) veio mandá-lo para sala novamente. Andei sem vontade até o laboratório, que por incrível que pareça parecia maior, todos estavam sentados e quietos. Não tiveram reação alguma quando me viram passar pela porta, sentei do lado dos meus melhores amigos. Ainda me lembrava deles, Fernando e Amanda, eles não tinham mudado e continuavam naquele papo gostoso que sempre tivemos. Notei que agora existiam dois Fernandos, não porque ele tinha dupla personalidade, e sim porque ele tinha um gêmeo. Cheguei  a conclusão de que aquele com a Amanda não era Fernando. Por algum motivo, eu sabia que enquanto estive fora  ele arrumou uma namorada, a Jéssica, e nos deixou. O nome do seu irmão era Felipe. Eu estava tão sozinha que não tive tempo de pensar na diferença entre os dois, e fui logo deitando no seu ombro. Amanda afagava meus cabelos e o Fê permanecia quieto. Depois de uns cinco minutos estávamos igual aos velhos tempos, ríamos de tudo e conversávamos. Fiquei feliz quando a professora deu uma resposta atravessada à namorada do Fernando, não entendi muito bem o ódio que sentia por ela, mas não conseguia mudar esse sentimento. Me conformei. 
     Alguma coisa no ar estava estranha, e não era o cheiro daqueles produtos químicos jogados por todos os cantos. Olhei ao redor, já havia reconhecido todos que ali estavam. Calma, e aquele garoto ali no canto? Ele estava ali desde que eu chegara? Acho que não. Reconhecê-lo não foi uma tarefa tão difícil, apesar de ser alguém que antes não pertencia àqueles estreitos corredores verdes. Era meu namorado, Bruno, por algum motivo não sabia como havíamos nos conhecido, nem há quanto tempo estávamos juntos. Só sabia que estávamos juntos. Eu gostava dele, mas o que o Matheus me fazia sentir era diferente, de algum modo só ele conseguia isso. Por falar nele, quando desci para a educação física, ele estava sentado lá me esperando. Toda vez que o via, tinha o ímpeto de beijar seus lábios apesar de saber que era errado. Precisava conversar com ele de qualquer jeito, mas parecia cada vez mais difícil arrancar alguma palavra de sua boca. Os professores pareciam saber o que estava acontecendo, afinal a história já era antiga. Teve o começo, teve o ápice, teve um meio, mas um final ela nunca teve. As coisas estavam mal resolvidas e aquilo me agoniava. Pedi para ir ao banheiro, os corredores deviam estar vazios, as salas também, e enfim poderíamos conversar sem interrupções. A professora não deixou, não nos queria juntos de modo algum. Fugi. Pela primeira vez em anos estava quebrando as regras sem medo do que poderia acontecer. Lá em cima fiquei dentro da minha sala de aula e logo ele apareceu. Alguns minutos depois escutei passos na escada, era o Bruno e mais um garoto. Eles pareciam brigar, brigar por mim? Por que? Não tive tempo para pensar, quatro professoras entraram na sala e me levaram para a diretoria. Era a primeira vez que estava acontecendo, pelo jeito aquele dia era o dia das primeiras vezes.
     Na sala da diretora fiquei desconfortável, ela não podia ser a mesma pessoa de anos atrás. E não era, pelo jeito era a Jane. Jane era a mocinha da limpeza que sempre conversou muito comigo, fiquei feliz por vê-la. Ao contrário do que havia imaginado, ela entendeu o que estava acontecendo e só queria me ajudar. Ela disse que lembrava da minha história com Matheus, quer era linda e que não sabe o que aconteceu para nos afastarmos. Eu tinha a resposta, havia cansado de sofrer, não queria ser mais uma. Fiquei quieta, respondi com alguns "arrãs", "não sei's" e "sei lás". Fui dispensada e fiquei sentada sob um sol escaldante, sem vontade de me levantar. Com vergonha de sentir o que eu sentia, com vergonha de olhar para o Bruno e para os meus amigos. Me sentia idiota toda vez que desejava ter ele por perto. Sentia medo de ser mais um daqueles truques onde ele atuava, fingia que me queria e depois voltava a ser aquele idiota de sempre. Não aguentava mais tudo aquilo dentro de mim. O sinal batera e agitação tomou conta de tudo ali por perto. Levantei-me e segui o fluxo. Comecei a ficar irritada por nunca saber o que estava acontecendo. Parece que em algum momento da história, no qual eu não estava presente, aquele colégio começou a fazer passeatas em feriados que exaltavam a nação. Acho que naquele dia era o da Independência. Com nenhuma outra escolha, fiquei ali, no meio da multidão. Podia ser só impressão, mas sentia que meus passos eram involuntários, só seguiam o resto das pessoas. Estava preocupada com as últimas agitações do dia.
     Mais uma vez senti ele me puxando para conversar. Já estava ficando cansada de nunca ouvir uma palavra sequer dele. Fui surpreendida. Seu bote foi surpresa. Me senti em um daqueles filmes, onde o resto da multidão fica em desfoque e os mocinhos ficam naquele momento conto de fadas. De repente, senti as palavras me tocando melodiosas. Ele, sim, ele dissera "Eu te amo, é comigo que você deve ficar".  Até ali, não sabia se algum dia tivemos uma troca de olhares tão intensa. Eu não tinha reação, apenas ficava parada olhando seus olhos ainda urgentes. Sempre quisera escutar aquilo, sempre. Ele nunca havia dito, nunca havia sentido, nunca tinha me olhado direito. Suas preocupações eram outras, seus desejos eram muito maiores do que eu. Apesar de querer tanto ouvir aquilo, não sabia se valia a pena. Depois de tanto tempo, depois de tanta dor... Valeria, então, a pena tentar novamente? Não queria a chance de quebrar a cara novamente. Perdi alguns anos da minha vida sentindo aquele amor infrutífero, sentindo aquele amor sem volta, sentindo aquilo por ele. Há alguns anos atrás, ousaria dizer que era capaz de fazer qualquer coisa por um beijo seu. Mas mesmo sabendo que era errado, queria eu arriscar tudo de novo? Parece que sim, seu cheiro entorpecia minha mente, sua presença me aquecia, a sede por seu beijo era insaciável. Mesmo assim, virei-me e continuei a caminhar. Ele me puxou novamente e repetia aquela frase milhões de vezes. Tudo o que eu queria ouvir. Seria realmente perfeito se completasse a frase com "para sempre". Fugi, fugi o quanto eu pude. Mas acabei parada de frente para ele novamente, seus olhos penetrantes queimando meu rosto. 


Era só mais um devaneio. 

domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal ou Natan, como quiser

   Há cinco anos atrás eu era uma menininha de dez anos de idade, não tinha nenhum problema aparente com que me preocupar. O dia das crianças estava chegando, enquanto isso eu já estava na fase de não ver tanta graça nos brinquedos que essa data trazia. Meus pais e eu sempre gostamos muito de viajar e como era feriado, logo partiríamos. Parecia ser mais uma daquelas viagens normais, onde as pessoas eram normais, as coisas eram normais e nada poderia ser diferente do normal. Isso não me incomodava muito, se quer saber, eu já estava até acostumada. As coisas são ligeiramente mais fáceis quando estamos acostumados. 
   O primeiro dia não me animou muito, conheci umas duas ou três pessoas e elas eram normais, para variar. O dia seguinte era uma sexta feira e as coisas pareciam continuar as mesmas, até que uma daquelas pessoas normais me apresentou a um garoto, que de normal não tinha nada. Conversamos por uma ou duas horas talvez, não importa. O importante é que ali eu percebi que depois de anos, as coisas haviam mudado. Ele era diferente dos outros, me trazia sentimentos diferentes. Foram os três dias mais especiais que eu havia tido. Talvez ele não se lembre disso, mas no último dia de viagem, ele foi bater na minha porta para se despedir. Não entendi porque tinha feito aquilo, mas estava feliz, ele estava tomando sorvete e tivemos uma conversa rápida. Estávamos com vergonha provavelmente, ou talvez fosse só o meu nervosismo tomando conta da conversa. Lembro quando disse que me adicionaria no msn e eu parecia ter ganhado na loteria. Coisas de criança provavelmente você deve estar pensando agora.
   Hoje, depois de anos, analisando o que aconteceu, eu lembro das dúvidas que eu tinha sobre tudo aquilo. A maior delas era: "Como um cara cinco anos mais velho, sente algo por uma garotinha?". E eu sei que existe a probabilidade de ele realmente não ter sentido nada. Mas continuando... Quando voltei, lembro de ter me exibido algumas vezes para minhas amigas porque um garoto mais velho me adicionou no msn. Quanta bobeira, eu sei. Acho que algumas pessoas até enjoaram de me ouvir falar dele. Sei que muitas me achavam doida por pensar que poderia dar certo.
   Os anos passaram e em momento nenhum nos distanciamos completamente, é difícil entender por que isso aconteceu. Ainda nos vimos mais uma vez, lembro do meu nervosismo esperando que ele chegasse logo e o gelo na barriga quando me beijou no rosto. Nada demais aconteceu, nada... As dúvidas persistiram então. Nenhum dos dois pareciam querer conviver com aquelas dúvidas eternamente. Como seria o seu beijo? Se tivéssemos uma chance, daria certo? Talvez a culpa não seja só do destino, talvez a culpa tenha sido minha e do fato de eu ser cinco anos mais nova. Isso não é nada normal e para quem estava acostumado, o que não era normal não era aceitável. Resumindo, pais. Pode parecer engraçado agora, mas não era tão engraçado assim na época. 
   Não consigo esquecer meu desespero toda vez que ele resolvia aparecer com uma namorada nova. Não devia ficar feliz com isso, mas eu sorria quando lia que mesmo com elas, ele ainda preferia tirar a dúvida. Sabe, pode parecer loucura, mas nada impede um sentimento daqueles. De qualquer jeito, hoje estou escrevendo por um bom motivo. As coisas mudaram nesses cinco anos, mas acima de tudo o que aconteceu, sempre fomos amigos e não é isso que importa? 
   Agora eu achei o meu caminho, ele achou o dele. E nesse caminho, não estamos juntos. Pelo menos não no sentido que achávamos que estaríamos. Hoje é Natal e eu nunca acreditei tanto na magia que poderia haver nesse dia. Voltamos a conversar depois de alguns meses afastados. Não aguentei... Antes que ele pudesse sair, tive que dizer o que eu sinto agora. Foi mais ou menos assim: "Eu sinto saudade de conversar com você. Não sei se é porque você sempre esteve comigo direta ou indiretamente. Faz muito tempo que você me conhece... E eu sinto falta quando a gente se afasta. Você nunca deixou de estar por perto... Sei lá, queria que nossa amizade rolasse de vez, sem esses furos do tempo sabe? Alguém pra eu contar quando eu precisar, ou quando não precisar também. Porque eu confio em você,  eu gosto muito de você, como pessoa entende? Não queria te perder de novo...". Depois disso, ele me prometeu que desse vez nossa amizade daria certo.
   No final de tudo, eu aprendi que quando uma pessoa tem que especial, ela será de qualquer jeito. Mesmo que às vezes o destino pareça dizer não, porque o que nós sentimos sempre é mais forte que tudo. E se alguém ainda tem dúvidas se eu gostei do final. Parem de ser tolos, quem não gostaria de um final assim, feliz? A amizade é a maior dádiva que alguém pode ter, porque pessoas vem e vão, a amizade fica. Posso estar falando bobagem, mas a amizade é um dos sentimentos mais bonitos que podemos ter uns pelos outros.